Ela ocupa o céu inteiro. Protagoniza a noite e quase apaga o brilho das estrelas. Empresta a luz, que eu nem sei se é dela, para uma noite fria de pandemia. A vida anda seca, não é mesmo? Até as cores mais intensas, agora me parecem meio opacas. Talvez seja o embaçar dos dias de clausura. Não me refiro à prisão das paredes de casa. Eu até que gosto dela. Refiro-me às amarras da incerteza, às grades do medo, ao isolamento da dor e da perda.
O duelo interno se estabelece: é um cabo de aço desequilibrado entre os extremos da gratidão e do desalento. Minha empatia questiona a beleza de um céu estrelado. É que as estrelas, às vezes, me lembram o mar de cruzes fincadas na terra. A vertigem e o enjoo reagem ao pensar que cada cruz é um coração enterrado. Meu egoísmo procura motivos para degustar cada instante dessa longa noite que atravessamos.
Se até a lua, dona e proprietária do céu, se permite minguar, se permite crescer, se permite renovar, e se permite se encher, numa plenitude invejável – vestindo sua luz mais intensa –, e desfila, democraticamente, deslizando no céu, quem pode julgar meu movimento inconstante? O coração da gente tem sido um céu de ruas esburacadas…
A mesma noite soma luto, gozo, celebração e resistência. Ouvi dizer que o céu ensina muito sobre os movimentos da vida. E lá está a lua imensa, tão perto, que sinto que posso tocá-la. Suspeito que ela tenha aparecido só para celebrar a vida de quem permanece aqui e a saudade de quem já se foi, e para nos lembrar que, quando o teto desaba, o céu inteiro aparece.